domingo, 14 de dezembro de 2008

John e George


Eu escutei as chaves entrarem no trinco e a porta abrir-se devagar. O som da mochila na mesa da sala e dos passos se direcionando ao quarto.
Ele me encontrou na cama, sentada e abraçada às pernas, com a televisão passando desenho animado. Ele gritou:
- Rá! Peguei no flagra! Assistindo desenho animado heein? Sabia que ainda tinha uma criança viva dentro de você – e ao acabar de pronunciar essas palavras beijou-me os lábios e deitou-se ao meu lado.
Eu não suportei. Chorei. As lágrimas saiam de meus olhos como um chuveiro descontrolado.
- Amor? Que foi?
Eu não conseguia pronunciar as palavras direito.
- Calma – ele disse sem conseguir ver uma razão aparente para o meu choro nervoso – E assim me abraçou forte. Aquele abraço que me fez sentir que eu não estava sozinha.
- ... a criança dentro de mim ... – foram as palavras que conseguiram sair de minha boca.
- Oh amor, todos temos uma criança dentro de nós... Você cansa de me dizer isso nos fins de semana quando eu passo a madrugada jogando Guitar Hero...
- Não! Tem uma criança dentro de mim!
- É claro que tem. Eu sei que você nunca deixou de gostar de Mansão Foster para Amigos Imaginários – ele disse olhando a tela à nossa frente com a imagem do Bloo dançando – Devo admitir que também gosto – ele sorriu.
- Não, seu idiota, eu tenho uma criança dentro de mim!
Ele me olhou com um ar incrédulo.
- Estou grávida – afirmei.
Ele parou. Sentou-se na beirada da cama. Eu entrei em desespero.
- Eu sei que nós não estávamos esperando uma criança agora, e eu entendo se você quiser – mas minhas palavras foram interrompidas pela pergunta:
- Quer dizer que eu vou ser pai?
- Hum. É.
E assim ele me lançou aquele olhar inesquecível. Aqueles olhos marejados e contentes. Ele me abraçou fervorosamente.
- EU VOU SER PAI!
Aí, eu voltei a chorar.
- Por que você está chorando tanto? Não está feliz com isso? Imagine, nós decorando o quarto ao lado, com aquele berço branco... E no teto a gente podia pintar o céu sabe...
Ao ver aqueles olhos tão excitados com toda aquela imaginação, o choro passou de nervoso para incontrolável.
- E se o bebê não gostar de mim hein? Sabe, muitas pessoas que hoje são minhas amigas me disseram que no começo não gostavam de mim porque me achavam metida! Eu não sou metida, mas todos pensam que eu sou! E se o bebê achar o mesmo?
- O bebê não vai achar isso – ele tentou me acalmar.
- Claro, para você é fácil dizer isso. Todos gostam de você!
- Ei – ele segurou meu rosto em suas mãos – Você vai ser uma ótima mãe.
Beijou-me.
- Você vai ser a melhor mãe do mundo.
Abraçamos-nos por 3 segundos quando eu comecei a chorar novamente.
- O que foi dessa vez amor? – ele já estava começando a ficar preocupado.
- E se o bebê for como o Danny, de o Iluminado? Ele vai ter problemas vendo pessoas mortas que nem aquele pivetinho do Sexto Sentido! Eu não quero meu filho vendo gente morta!
- Se ele for médium, a gente o leva num centro espírita e eles o ensinam a controlar esses espíritos ou sei lá o que que deva ser feito com pessoas médiuns, mas ele não vai ter problemas, porque seremos ótimos pais e não deixaremos nosso filho ficar falando “I see dead people”.
Ele sorriu e me abraçou. Dessa vez foram quatro segundos para o recomeço do choro.
- E se ele for um Damien da vida? Aquele filho do demônio do filme A profecia? Eu estou fudida. Ele vai mandar me matar! Ele vai matar todo mundo!
- Tendo uma mãe como você, acho impossível nosso filho ser como filho do demônio. Talvez ele seja um pouco puxando o pai ... – mas ele não conseguiu acabar a frase, pois eu chorei mais desesperadamente ainda.
- Ô amor, estou brincando, estou brincando...
- Você não brinque com essas coisas! Não é o pai que morre envenenado no hospital no filme!
Ele riu.
- Ei. Te amo. E eu sei que o Paul também vai te amar.
- Paul?
- É. Paul, de Paul McCartney dos Beatles.
- Não! Vai ser John. De John Lennon.
- Mas o Paul era bem melhor que o John.
- Não, o John era melhor que o Paul. Eu gosto dos dois, mas o John tem um pedaço maior no meu coração, então vai ser John.
- Sabe, eu sei que você é a mãe, mas o pai também tem direitos na escolha do nome do seu herdeiro!
- É, mas não é você que tem uma vagina e vai ter um parto normal!

...

Senti aquele gel gelado na barriga já grande.
- Então, doutor? – Ele perguntou – É menino ou menina?
- Parabéns! São dois meninos.
- Não, não, moço. – Eu disse – Perguntamos no singular.
- Bem, mas a resposta é no plural. – O doutor falou com aquele sorriso “Rá peguei vocês!”
- Pelo menos agora não terá briga quanto ao nome. – ele disse tão feliz ao me beijar.
- Não, mas eu não esperava que fossem gêmeos. Então agora vai ser John e George.
- George?
- Sim, de George Harrison.
- Mas agora a gente podia dividir né? Um é John e outro Paul!
- Olha aqui amiguinho, agora são DOIS que vão sair da minha vagina, então esqueça o Paul!
- Você é tão egoísta, mas eu te amo.
Eu corei.
- Desculpa, são os hormônios. Te amo. O John e o George também.


Bruna

Escutando: Something - Across the Universe soundtrack
Foto: The enchanted pregnancy by *ploop26 (Deviantart)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Despeço.


Hoje eu decidi arrumar meu quarto.
De vez.
Tirar tudo aquilo que eu não mais uso.
Rasgar tudo aquilo que já foi escrito.
E que hoje, parece não ter mais o mesmo valor.
Devo dizer:
Suas cartas foram as mais difíceis de livrar.
Até os envelopes.
Lendo-as antes de cortar em pedaços e colocá-las dentro de uma caixa,
Foi difícil aceitar o fim.
Porque de certa forma,
Eu me despeço aqui.
Com o CD de Coldplay no som, e as palavras ‘amigas para sempre’ em pedaços na mão,
As lágrimas tentavam sair de meus olhos.
Mas não saíram.
Não sei o porquê.
Talvez, o fato do adeus já esteja gravado na memória.
E o fim...
O fim não mais dói.


Bruna

Escutando: O Poeta está vivo - Barão Vermelho
Foto: 'Revirando o passado' by Moidsch