segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A menina da mochila


Ele gostava daquela menina.
Ela era esquisita e ao mesmo tempo conhecida, mas não sabia de onde.
Ele sempre a via indo para o colégio, com aquela mochila de boneca, livros nas mãos, com um MP3 no ouvido e um all star encardido.
O all star era realmente encardido. Ele não sabia o que ela tinha feito para o deixar naquela cor.
Ele sempre imaginava as músicas que ela escutava, porque era engraçado vê-la cantando sem voz as músicas no meio da rua, sem nem se importar com os olhares estranhos que as pessoas lançavam a ela. E quando ela sentava no ponto de ônibus, ela continuava cantando e dançando com os pés.
Ela sempre estava lendo alguma coisa. Da última vez, ela estava lendo aquele livro que ele vira na vitrine da livraria semana passada. Ela se mostrava tão mergulhada no livro, que nem percebeu o ônibus chegando.
A mochila era engraçada. Ela parecia ter seus 16 anos, mas sua mochila era de menina de seis. E para completar, na mochila tinha um chaveiro que parecia ter sido feito por ela mesma: um monte de fitas penduradas, e na ponta de cada uma delas, um boneco. Não precisava ser necessariamente um boneco. Tanto é que tinham pranchinhas da última coleção de brinquedinhos que veio no Sucrilho.
Ela também era engraçada. Observou que todas as vezes que ela via um meio-fio, ela corria para ele e andava feito malabarista. E ficava com raiva quando não conseguia ter equilíbrio! Ele gostava do sorriso silencioso que ela sempre mostrava. Do jeito com que ela andava. Do jeito com que seu cabelo bagunçava com o vento. E da maneira sutil com que ela o arrumava.

Um dia imaginou como seria conhecê-la. Ele simplesmente amava observar aquela menina esquisita. E não fazia idéia, que a menina também o achava esquisito, e que amava encontrá-lo em seu caminho para o colégio.


Bruna

Escutando: All the young dudes - Juno soundtrack
Foto: 193 by *kalemkar (Deviantart)

domingo, 12 de outubro de 2008

Nur ein wort.


Levantei-me com o vibrar do despertador na mesa.
Coloquei o tênis e enfiei o fone do MP3 no ouvido.
Não queria ouvir pessoas falando.
Só queria ouvir a melodia conversar comigo sem obter resposta alguma.
Eu estava abusada. Era fato.
As aulas andaram feito minhoca.
Eu contava o tempo que eu estava viva vendo o relógio mostrar:
10:59, 11:00, 11:01, 11:02, 11:03...
Passei o tempo desenhando bonecos mal-feitos no caderno (na matéria de geografia e química para ser exata).
Não queria falar com as pessoas.
Os bonequinhos mal-feitos tinham assuntos mais interessantes para conversar comigo enquanto tomavam seus cafés de tinta preta.
A chuva caia fortemente molhando as janelas da sala.
“Os gnomos vão pegar gripe” – Pensei eu, enquanto as pessoas conversavam sobre alguma coisa que eu não me importei de ouvir.
Quando a aula acabou encontrei uma única outra pessoa que conversa com bonequinhos mal-feitos do caderno.
Andamos um pouco até a rua em que tenho que entrar.
Tchau.

Até eu pegar o ônibus eu usei o guarda chuva de cerâmica.
Mas ao descer, fechei o guarda chuva e preferi sentir as gotas molhar a farda.
Gostei de molhar a farda.
Gostei de sentir água doce se misturar com a água salgada do rosto.
Talvez não seja boa a idéia de sentir essa melancolia no começo de terça. Mas amanhã é feriado, e nada melhor do que se sentir mais humana no início da semana.


Bruna

Escutando: Little red - Kate Nash
Foto: Meu caderno de geografia.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Estrelas



- Posso observar as estrelas com você?
Assustei-me ao ouvir a voz dele. Estava faltando energia e eu pensava que todos já estavam dormindo. Pensava que era a única que estava fora da cama. Viagem de colégio. O hotel tinha um ótimo gramado. Deitei-me no chão e resolvi estudar as constelações.
- Claro. – Disse sem tirar os meus olhos das estrelas. Mas louca para ver as estrelas dos olhos dele.
Senti seu corpo deitar-se ao lado do meu, e sentir suas mãos tão próximas das minhas.
- Você entende de estrelas?
- Um pouco.
- Sério?
- Sério. Quase todos os sábados eu vou ao centro de estudos astronômicos para usar os telescópios. Vou entrar no curso de astronomia próximo ano.
- Você realmente não é normal.
Apenas sorri. Era verdade.
- Vê aquelas três estrelinhas ao sul?
- Sim.
- Elas formam a Ave-do-Paraíso. – Ao dizer isso, desenhei a constelação de Apus com o indicador. Pude ver de relance seus olhos acompanharem meu dedo procurando o desenho do pássaro formado de estrelas no céu escuro.
- Você decorou todas as contelações? – perguntou ele num tom de impossibilidade.
- Não! São inúmeras! Mas eu tenho um mapa da Ave: na minha mão tem três sinais que formam essa constelação. – Disse mostrando as costas da mão direita.
- Assim não vale!
Ri. Era bom ficar com ele ali na grama observando as estrelas. Um ligado ao outro, como as estrelas estavam formando desenhos no céu de setembro. Passamos um tempo com o silêncio em nossos lábios e apenas ouvindo o ruído do vento nas árvores quando percebi que ele inclinava seu rosto para o meu. Deparei-me com seus olhos, profundos como a noite que nos rodeava, e que chegavam mais e mais perto. Não tive coragem. Fechei os olhos e mergulhei no profundo dos olhos dele mesmo tendo os meus fechados, quando senti meu corpo flutuar ao sentir seus lábios mornos a tocar os meus.

Ele queria ver outras estrelas.

Bruna

Escutando: Beautiful new world/Home sweet - Edward scissorhands soundtrack (Danny Elfman)
Foto: magnetic star by `toiabates (Deviantart)