domingo, 30 de novembro de 2008

Trato


- Se você não gostar tudo bem.
Eu disse cortando a fatia de torta.
Ele riu.
- Se eu não gostar, você vai ter que me pagar uma pizza.
- Ha ha ha. Se você não gostar, é porque você não tem um bom paladar como o meu, tá?
E assim, dei-lhe a fatia de torta de morango à La mode.
Esperei ansiosamente pela expressão em seu rosto quando ele enfiou o primeiro pedaço na boca.
- E aí? – Perguntei.
- Hum... Acho que devo pegar outro pedaço para ter certeza...
- Rá! Você gostou!
- Está uma delícia, devo admitir.
- Eu disse que estaria boa. Sabe, eu sou uma ótima confeiteira.
Ele me olhou ironicamente e sorriu, enfiando-lhe mais uma garfada de torta com sorvete.
Eu não podia deixar de sorrir. Era engraçado tê-lo ali ao meu lado comendo a minha torta de morango.
Depois de repetir o prato, era a minha hora de lembrar o trato.
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Trato:

- Eu faço a torta de morango, e você toca piano para mim.
- Ok.

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- Bem, já fiz a torta, e como aparentemente ela foi aprovada, agora é a sua hora de cumprir com o trato.
- Você não se esquece de nada não é?
- Claro que não. – disse sorrindo. Ele me olhou profundamente. Creio que corei um pouco. Não sei...
Ele se levantou, pegou minha mão e me conduziu ao sofá. Sentou-se na cadeira de frente ao piano.
- Que música?
- Comptine d’un autre été.
- Por que você gosta das músicas mais melancólicas?
- Ah... Não sei exatamente. As pessoas dizem que as músicas mais tristes são as melhores. Talvez, são elas que mais mexem conosco. Então, tornam-se, pelo menos para mim, as favoritas.
- É... talvez. – E assim, seus dedos começaram a valsar pelo piano. As notas dançavam no ar, naquela música lenta. Devagar. Profunda. E que sempre me fazia sentir especial sem aparente razão.
Quando os 2 minutos e 19 segundos acabaram, ele se sentou ao meu lado.
- Toco bem?
- Nada mal.
- Nada mal?
- É. – respondi rindo – Não é melhor do que minha torta de morango...

E novamente, ele me lançou aquele olhar profundo.
E foi quando senti o leve sabor do morango e sorvete em minha boca.


Bruna

Escutando: Worn me down - Rachael Yamagata
Foto: L'amour by my friend Ivan Lopes :)

domingo, 23 de novembro de 2008

A caixa


Entrei no quarto.
No meu quarto.
Aquele quarto, que eu tinha passado tanto tempo lendo antigos livros, escrito tantas cartas na velha máquina de escrever, cartas que nunca foram enviadas, escutado discos na linda vitrola que ganhei da vovó.
Tive saudades daquele quarto: de sua torta fileira de livros, a sua péssima pintura, da bonequinha pendurada na janela.
A lembrança recente de papai, mamãe e minha irmã me esperando no aeroporto ainda dançavam de frente aos meus olhos.
Tanto tempo longe.
Abri a primeira porta do armário e vi aquela caixa de papelão que há tanto tempo atrás havia decidido guardar as mais alegres e tristes lembranças: cartas que recebi, cartas que escrevi e voltaram para minhas mãos, revistas de antigos ídolos do cinema, caixas de incenso...
Todo aquele passado tão agora presente.
- Minha filha, saia logo desse quarto e venha comer bolo de milho – grita minha prima da porta. – Seu amiguinho inglês está se empanturrando de milho, tô vendo a hora dele passar mal. Na Inglaterra não tem milho assado não é?
O sorriso abriu-se em minha face.
- Já já estou indo.
- Pois venha logo querida. Esperamos 5 anos para você voltar, e você só está aqui por 5 dias.
- Claro.

Olhei novamente para a caixa. Ela estava ali fazia 10 anos. Somando as lembranças da caixa com o tempo em que ela passou guardada eram quase 20 anos.
- Eu não sei por que eu ainda tenho esperanças de devolver essas memórias.
E assim, peguei a pequena caixa de papelão, e joguei na fogueira que papai montara para o feriado de São João.
- O que é isso? – perguntou meu pai curioso.
- Lembranças.
- De quem?
- Não sei. Não mais a conheço.


Bruna

Escutando: A bad dream - Keane
Foto: A BOX by ~HannahHavoc (Deviantart)

domingo, 16 de novembro de 2008

"This time it could be different"


E ela não aguentava mais aquela agonia.
O não conseguir se concentrar em nada.
O não conseguir pensar em outra coisa, em outra pessoa.
A não ser nele.
Isso a fazia se sentir mal.
Sem ânimo.
Sem vontade de nada.
Ela odiava quando isso acontecia,
e isto estava acontecendo mais do que o usual.
Mas com este era diferente.
Em apenas 1 dia, ela imaginou todo o tempo do mundo junto a ele.
Fazer tortas juntos, andar de mãos dadas, ler no banquinho da praça, dormir juntos, jogar videogame, escutar os velhos discos dela...
Ela sabia que tudo isso poderia cair a qualquer momento.
Porque ela era assim: se apaixonava e desapaixonava rapidamente.

Mas com ele era diferente.


Bruna (15/10/2008 - Nunca costumo guardar datas, mas guardei esta)

Escutando: Navy Taxi - Kate Nash
Foto: Fall in love by =pushOK-12 (Deviantart)

domingo, 9 de novembro de 2008

Cheiro de férias.


- Que cheiro de férias!
- E férias tem cheiro?
- É claro que tem!

Ainda faltam duas semanas para minhas férias. E eu já comecei a sentir o cheiro delas. Isso não é bom. Sério. Montes e montes de livros para estudar, e o cheiro de férias empestando a casa com todas as lembranças de ficar deitada no sofá de perna para cima lendo livros e escutando Feist.
Sabe, para mim, tudo é movido a cheiro. Sério. Como a Morte é movida a cores no livro A menina que roubava livros, minha vida é movida a cheiros. Escola tem um cheiro. Natal outro. As lembranças são lembradas com cheiros. Um exemplo: Meu namoro de quatro meses é lembrado com o cheiro do perfume Egeu e Humor, que eu e ele usávamos respectivamente.
As férias têm cheiro de caju e queijo do reino. Porque eu tenho um pé de caju e no fim do ano a safra começa. Cerca de 80 cajus por dia. O queijo do reino é porque mamãe sempre come doce de caju com esse laticínio. As férias também me lembram o natal, que tem cheiro de frango com algum molho de vinho no forno. Meu aniversário que é em dezembro tem cheiro de bolo de chocolate. O bolo de chocolate que só mamãe sabe fazer.

- Que cheiro de férias!
- E férias tem cheiro?
- É claro que tem...


Bruna

Escutando: One two three four - Feist
Foto: Smell of incense... by =hipster7 (Deviantart)

domingo, 2 de novembro de 2008

Memórias...


Ela olhou as fotos velhas na gaveta.
Ela tinha saudade. Era verdade. Não era mentira.
O dia: Halloween.
Ela se lembrava desse dia com carinho.
Elas costumavam ir à praça à noite, acender uma fogueira, comer pipoca e tomar café.
Lembrou-se que naquele halloween, tomara sete copos de café, e só parou porque a água quente havia acabado.
Hoje, dois anos depois, o dia não era mais o mesmo. Ela nem sabia se ainda existia o ‘elas’. Achava que no final das contas, só existia o ela, o ela e o ela. Separadas. Uma das outras. Totalmente diferente dos planos que elas tinham feito. Planos mirabolantes, que pareciam ser para a eternidade.

Eu tenho saudade. É verdade.


Bruna

Escutando: J'envoie valser - Olivia Ruiz (Zazie cover)
Foto: coffee by ~aufgaben1 (Deviantart)